Quando chega um aviso de live eu penso: mais uma, não sei como dar conta, DeusMeLive. Mas quando recebi o convite para fazer uma live, aí sim pensei: com certeza não vou dar conta.
Mas a recusa não teve aceite e dei conta, e arrumei a luz para não ficar com cara de fantasma e falei pelos cotovelos com o querido amigo e talentoso ator, Vandré Silveira.
O trabalho me uniu ao Vandré há alguns anos, mas o prazer pelas coisas simplas da vida, a fé nas pessoas, o amor pela natureza e os animais, foi o que acolheu e fez crescer nossa amizade além do dia a dia da parceria de trabalho.
Nesta live tem um pouco desses temas, desses nossos papos sobre a vida, sobre ser emotivo, emocionado e crédulo de que tudo tem seu tempo para acontecer. Falamos também da finitude.
Em um determinado momento da transmissão, conclui que somente eu falava, o que Vandré, com seu jeitinho sensível, amoroso e gentil me respondeu : “mas eu faço a mediação e você fala, é assim mesmo”.
Como não amar este querido que me arrastou para o instagram, com cara de cansada, às vésperas de colocar no ar a segunda edição de conteúdos do Festival estar Bem. Pelo menos passei um corretivo nas olheiras. Vai lá conferir e me diz.
LIVE com Vandré Silveira: https://www.instagram.com/tv/CBl7hLbDmuM/?igshid=io48qgu6xogk
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Meu texto no livro “Como se encontrar na escrita”, da Ana Holanda
Uma honra ter um texto de minha autoria no livro “Como se encontrar na escrita” (Rocco/Bicicleta Amarela), querida Ana Holanda. É muito amor envolvido.
O texto, “O que aprendi ao lavar roupas”, também foi publicado na revista Vida Simples e pode ser lido no pdf das páinas no link: https://passarimcomunicacao.com/2017/03/01/vida-simples-o-que-aprendi-ao-lavar-roupas/
O QUE APERENDI AO LACAR ROUPA
Sonhei com vovó. Sonhei que estávamos conversando e lavando roupa, como antigamente. Aqueles pequenos prazeres em companhia da matriarca da minha família. Acho que meu inconsciente me chamou para retomar aquela história de lavar roupa que comecei a contar há exatos 12 meses, no dia 27 de dezembro de 2015 – naquele dia de calorão de verão como hoje, de sol forte como hoje, de luz intensa como hoje. Lembro que fui interrompida pela pergunta do tio, se eu sabia com quantos anos o pai dele, meu avô, havia morrido. Busquei os documentos e falei: com 42 anos. Jovem, né? Ele me respondeu “eu tinha quatro anos”. Mais tarde, fui interrompida desta vez pela febre alta que ele estava. No dia seguinte perdi o rumo da prosa ao me deparar com a sua morte. Foi triste e não conseguia mais voltar ao texto.
Hoje, exatos 12 meses daquele dia, eu abro o arquivo no computador, apago tudo e, como na vida, recomeço. Olho pela janela e vejo meus lençóis na corda, balançando como naquele dia. Lembro mais uma vez que sou neta de lavadeira, que os ensinamentos de D. Maria da Penha me fortalecem e me ajudam a passar pela vida como neta de lavadeira. Daquela que, após a morte do jovem marido aos 42 anos, criou os cinco filhos menores de idade “lavando roupa pra fora”. Contava suas histórias e apertos enquanto me ensinava como segurar o pedaço da camisa com as duas mãos, os punhos fechados para, num movimento de vai e vem, esfregar o pano em cima do polegar. Tempos difíceis na década de 40, quando tudo que ela sabia fazer se transformou em trabalho para criar os filhos, o menor com quatro anos – o Tio querido que cito acima.
Tenho uma prima que também gosta muito de lavar roupa, como minha mãe também gostava. É hereditário, falamos! Enquanto alguns se divertem com a confissão, sinto um prazer imenso todas as vezes que separo as roupas para lavar – colocar na máquina, esfregar algumas na mão, pendurar nas cordas, esperar secar para “não dormir no sereno”. Costumo fazer isso nos dias que estou bem calma, com tempo, para aproveitar e conversar comigo mesma, até para não espalhar meus pensamentos por ai em voz alta. E quando faço isso, observo os lençóis que balançam ao vento nos fios de cobre e percebo como aqueles movimentos me enchem de alegria, sentimentos que fazem parte da minha infância.
Lavar roupa parece fácil, mas ser lavadeira na década de 40 não era tarefa simples, já que a lavadeira deveria pegar a roupa na casa do cliente, levar para casa, lavar, engomar, passar e entregar tudo limpinho, esticadinho e cheirosinho de volta na casa do freguês, e tudo sem maquina de lavar ou ferro elétrico. Mas a profissão que foi desaparecendo dos grandes centros a partir do aperfeiçoamento do advento da máquina de lavar, no final do Século 17, começou mesmo a perder espaço por aqui no início do Século 20, quando a industrialização chegou a terra brasilis. Mas lavar roupa, contar histórias e cantar à beira do rio ainda pode ser uma cena comum em algumas poucas localidades do Brasil, no interior de Pernambuco e Minas Gerais, por exemplo.
Dessa tradição, em 1991, nasceu um grupo de cantoras em Minas Gerais, as Lavadeiras de Almenara. Senhoras lavadeiras que às margens do Rio Jequitinhonha fazem seu ofício e entoam as cantigas que aprenderam com suas mães e avós. Cantam para não esquece-las, com o intuito de não deixar a tradição morrer com a profissão, já que através das músicas também contam suas histórias pessoais e de toda uma região do Brasil. E pelas mãos do músico e pesquisador cultural Carlos Farias o grupo de lavadeiras já tem conhecimento em todo o Brasil. Lavadeiras de Almenara também se apresentam em diversos países, como Portugal e Espanha, já gravaram CD e receberam a medalha Ordem do Mérito Cultural em 2010, pelo Ministério da Cultura.
Voltando para os ensinamentos de vovó, minha Maricota, que me ensinava coisas, ela dizia que ajuda de criança e pouco e quem rejeita é louco. E assim, aprendi a cozinhar e a lavar roupa de verdade. Enquanto me ensinava os afazeres domésticos, também me ensinava sobre sentimentos, sobre as pessoas, sobre fazer caridade levando uma água para o padeiro no portão, pequenos gestos do bem, sobre ter um olhar acolhedor para o outro. Ainda hoje, quando vejo minhas roupas branquinhas e limpinhas voando na corda, me lembro da sua sabedoria de gente sábia.
Mas hoje, creio que lavar roupa na mão não seja algo atrativo para a criançada da atualidade, conversar entre família lavando roupa então, extinção completa. Entretanto, vejo que algumas tradições familiares estão sendo resgatadas após gerações de mães culpadas de filhos órfãos. Cozinhar é uma delas. A grande quantidade de programas sobre culinária e o incentivo através deles para que as crianças retornem com seus pais para a cozinha. Mesmo que seja só um apelo para os pequenos saírem da frente da web, para aprender coisas diferentes, quem sabe este seja o pulo do gato para que as nossas jovens famílias retomem a educação através do coração amoroso e sábio da matriarca, do mais velho, do mais sábio.
Hoje, quando estendo minhas roupas penso naqueles ensinamentos à beira do tanque de pedra da nossa casa de vasta calçada, onde colocávamos as roupas para quarar. Ainda me pego estendendo uma toalha de plástico no sol de lascar para esticar uma toalha de banho para ficar bem branquinha, “mas não pode deixar a roupa esturricar, falha gravíssima para uma lavadeira”, dizia vovó. É preciso ficar de olho, ir molhando aos poucos, com uma água rala de sabão dentro de um balde que balança num braço, enquanto o outro parece distribuir alguma coisa ao vento, com movimentos largos para os lados espalha a mistura em cima da roupa já quente como um ovo frito. E, depois dessa movimentação que se estendia por toda a manhã, enquanto o almoço ficava pronto, é preciso recolher tudo e começar o enxague.
Naquela época não se falava em ócio criativo e como todo ensinamento precisa de uma certa prática para ter sucesso, um dia perguntei para vovó como eu ia descobrir que a roupa já não tinha mais sabão, se estava ou não bem enxaguada. Ouvi: minha filha, não precisa gastar toda a água da casa, apenas encosta a roupa na boca e suga a água que ainda está nela. Se tiver sabão, você vai sentir o gosto e enxagua tudo outra vez. Simples assim, Maricota. Obrigada.
E a vida pode ser simples assim: através das conversas à mesa no jantar ou no comando das colheres de pau. Mas o mais importante é estar entre os nossos para aprender, ensinar ou relembrar os “causos” do passado, os acontecimentos do dia anterior. Aquelas situações que pareciam indissolúveis e tiveram solução. Ou mesmo aquelas histórias bizarras de família que você jamais vai esquecer e recontar com a sua imaginação para os seus filhos. Não importa quanto tempo se passe daquela avó ensinando uma neta a lavar roupa, as memórias e experiências de toda uma vida ainda podem mudar o mundo, ou o pequeno mundo que construímos à nossa volta.
Silvana Texto @silvanaespiritosanto (foto arquivo pessoal)
Design @patifernandes
Para onde você vai, Comunicação?
Costumo dizer que a comunicação me escolheu e hoje busco viver com a fórmula da escrita que acredito. E na corrida pela busca de apoio e reconhecimento nesta crise, pergunto: para onde você vai, Dona Comunicação? Pensando nisso lembro que há quase duas décadas, quando tentava fazer um release mais humano e me puxavam para o lead, eu dizia: falta molho no texto.
O molho que me referia é o que hoje podemos chamar de a escrita afetiva e criativa da Revista Vida Simples, aquele texto jornalístico em primeira pessoa com cara de literatura. E quando a literatura também caminha para um ou outro personagem autobiográfico? E vamos assim cultivando novos rótulos para ilustrar com novas palavras o que é primordial e verdadeiro na escrita: uma dose de coração. Como fez Henry Miller com seu Trópico de Câncer, publicado em mil novecentos e trinta e quatro. Isso mesmo, 1934.
Quando li pela primeira vez achei meu lead e percebi que a liberdade da literatura poderia chegar ao jornalismo que fala mais próximo do leitor. E no meio disso tudo veio a revolução da tecnologia nas nossas cabeças, a forma de se comunicar mudou ainda mais e agora, finalmente, a empresa de telefonia pede para dar um abraço, o plano de saúde avalia que o melhor é viver e tudo se transforma em nova literatura para reaproximar todo mundo outra vez, como era antigamente.
Se as últimas gerações não vivenciou a gripe espanhola ou a tuberculose da primeira metade do século passado, ao menos vivenciamos na pele as atrocidades da primeira ou segunda guerras, a minha geração de comuns que nasceu entre 1964 e 1970 também não vivenciou a revolução. O pé atrás é a corrida louca pela desumanidade dos dias de guerrilha terrorista, aliados às novas formas de comunicação que estão desafiando toda a humanidade e assim, pelo menos no pequeno habitat que vivemos, a ideia é mudar o rumo da prosa e a nossa comunicação precisa ser mais atenta com o outro, não só com o nosso desejo de vender algo.
E é a partir daí que a escrita afetiva, criativa e mais humanizada vem ganhando espaço, chegando para ficar. E é assim que o corporativo já começa a olhar com cara de interesse comercial na falta daquele lead que me obrigavam a fazer no primeiro parágrafo, numa escrita formal, que agora ganha a cara verdadeira do cliente ou do funcionário que fala com o cliente. E foi assim que a amiga Ana Holanda, Editora Executiva da revista Vida Simples, foi um dia desses falar sobre “Escrita criativa” para os funcionários da IBM. É assim que hoje adoram meus releases e textos mais “humanos”.
Vamos humanizar minha gente. Sabe aquela vovozinha que dava conselhos, aquela que as crianças não possuem mais? Aquela mesa grande de família que era o charme do domingo, mesmo reclamando que naquele final de semana você não queria ir? Agora olha as fotos daquela época e fica você responsável por resgatar tudo isso outra vez. Pois é, isso tudo precisa voltar urgente e aproveita que tem gente bacana falando e presta bem a devida atenção no texto, no tom da conversa e na escrita, na nova comunicação.
É claro que o lead mais duro vai continuar a existir assim como as futilidades dos famosos que abarrotam a mídia, mas o que não podemos deixar morrer é a escrita com o coração, aquela que ajuda a mudar o rumo da prosa, a que inclui, o expõe e coloca o dedo na própria ferida. Chega de textos repletos de clichês para pessoas de mentira. E isso me lembra um amigo que, assim como eu, detesta fazer exercício em academia e resolveu criar um título real para uma academia, que ele batizou de “Corpo Estranho”.
No mínimo hilário, mas na prática da comunicação atual é bem parecido com a companhia de telefone que paga comercial de 30” em horário nobre e pede para você ser menos virtual, menos digital, na vida nada melhor que um abraço. Acredito muito nesse aconchego e quem me conhece sabe que busco estar com os meus, mesmo que em pensamento e o pensamento ganha ondas longínquas e se transforma em sincronicidade. De verdade.
Isso me faz lembrar que amanhã completo o terceiro ano do resto da minha vida, quando fiz, no dia 5 de junho de 2014, uma cirurgia oncológica pesada contra um câncer. Menos de dois meses depois fiz uma festa de 50 anos. Naquela noite, uma amiga me disse que a casa ficou muito cheia, que tinha gente demais, crianças se misturavam com a confusão do vinho, dos adultos e do meu cachorro, que eu deveria ter dividido a comemoração em dois grupos. Pensei: ela não entendeu nada, pois o que vale é estar sentindo o peito repleto de amor e aquecido de verdade, é gostar de gente de verdade e ter amigos de verdade, mesmo que seja muita gente espalhada por todos os cômodos da casa.
Para mim é assim a escrita que comove, aquela que comunica de verdade e fala com o coração. Se vão dizer “agora sai isso e entra a escrita afetiva, aquela que afeta”, não importa. Acredito que é para onde vai a comunicação, para o bem de todos nós, que ainda temos as lembranças amorosas dos dias de avó, das mesas fartas de pessoas falando ao mesmo tempo no domingo, dos aniversários repletos de amigos para abraçar. Vamos contar histórias.
Rio, 4 de junho, 2017
Foto: Silvana Cardoso
O que aprendi ao lavar roupas | Vida Simples
Texto de minha autoria, na edição de março/2017, da revista Vida Simples. Umas linhas afetivas sobre lavar roupa.
O que aprendi ao descobrir um câncer | Artigo Vida Simples
Texto de minha autoria, na edição de junho/2015, da revista Vida Simples.