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E viver é essa aventura

Doa a quem doer, somente os amigos falam verdades – para o bem e para o mal. Analisando por este ponto, cheguei a conclusão da uma suspeita: tenho um novo amigo e o nome dele é João.
Dias desses, estávamos brincando, imaginávamos andar de bicicleta, quer dizer, ele dirigia a bicicleta elétrica parada, e eu agarrada em sua camiseta enquanto durou o passeio. Em um determinado momento João olhou firme para mim, bem de perto, e disse:
– Sil, você tem bigode!
– Como assim João. Eu?
– Sil, tô vendo aqui ó!, enquanto o dedinho apontava para minha boca eu me contorcia para não gargalhar.
– João, você descobriu o meu segredo. Eu tenho bigodes! Herdei do meu pai, que também tinha um muito mais bonito que o meu.
João colocou a mão na boca, arregalou os olhinhos e sorriu satisfeito com a descoberta.
Costumo ter diálogos divertidos e honestos com o meu novo amigo, lhe faço limonadas e ouço suas histórias com atenção.
Aqui no sítio a vida é compartilhada e quando Joana, mãe do João, vai ao mercado me passa um “zap” para saber se quero algo da rua. Também costumamos ir juntas para a piscina ou acontece um almoço compartilhado com todos, com Nuxa e Sergio. As vezes faço o lanche aqui em casa, como era o hábito antigamente aos domingos, para Diego e seus amigos. Até hoje quando encontro os rapazes já casados, fica a tentativa de reedição do lanche da Tia Sil. E sempre era, e sempre é, divertido construir estas histórias de vida.
Outro dia li uma reportagem do Nexo com o tema “Como a arquitetura urbana pode combater a solidão”, da Juliana Domingos de Lima. Nela, reproduzo um parágrafo sobre a arquiteta Grace Kim, que tem uma pesquisa onde afirma que a solução para a solidão nas cidades não está somente nos espaços públicos, mas na maneira de habitar e na criação de vizinhanças mais coesas. Ela defende o “cohousing”: trata-se de uma “vizinhança intencional”, na qual as pessoas se conhecem e cuidam umas das outras. A ideia é que cada pessoa ou família tenha sua casa, mas compartilhe espaços significativos para a vida cotidiana. Segundo as pesquisas de Kim, quando as pessoas comem juntas, naturalmente criam laços e planejam fazer outras atividades juntas, aumentando o nível de conexão social entre elas.
E cresci vendo vovó compartilhar comida. E como vovó, gosto das amizades, das gentilezas, das trocas, e ter por perto pessoas para a vida. Como a plaquinha da foto, presente da vizinha Helen Maria, – “pela sua escolha, por uma vida simples aqui” (nome também da revista que amo). Ah, e aqui trocamos livros como antigamente.
Quanto ao meu amigo João? Bem, ele me recebeu de braços abertos quando cheguei para morar no sítio e sempre me chama para brincar, além de ser muito franco, claro. João tem quatro anos, adora minha limonada azeda e, com a sua alegria de menino, costuma gritar do seu quintal: “Silll, estou indo aí, tá?”. E viver aqui é essa aventura.
Pedro do Rio, Petrópolis, RJ, 9 de feveiro de 2019.

Link para matéria Nexo:
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/12/15/Como-a-arquitetura-urbana-pode-combater-a-solid%C3%A3o?utm_source=meio&utm_medium=email

ENQUANTO ISSO

Enquanto disfarça que está tudo bem que não pensa que ele não faz falta (nenhuma) vai conversando com os amigos fala bobagens passa as horas, que os minutos estão contados. Segue parece sem pressa tenta passar o tempo, não adianta pensar como será amanhã, amanhã é amanhã e ponto, dorme e acorda para ver e para de ter pressa. Enquanto disfarça que não liga que a comunicação está ruim que os encontros quase se foram enquanto isso você tenta parar de fumar parar de pensar encontra um ex namorado um ex caso um ex assistente um quase ex amigo vai ao terapeuta chora as suas loucuras e nem comenta sobre ele. Ele definitivamente não faz a menor diferença agora. E enquanto você finge que se engana aprova uma proposta um texto briga ao telefone liga para a mãe pensa que vai dormir bebe um vinho come uns biscoitos que não combina mas é isso que tem agora, então, ok, come o biscoito toma vinho e some daqui. Enquanto você se prepara para ir dormir escova os dentes olha no espelho com quase decepção pensa pega Clarice, encontra aconchego na cama larga, deita. Enquanto você acha que vai dormir ainda pensa acha que não tem a menor importância estar pensando naquele que passeia pelos seus sonhos quase ao acordar como hoje cedinho. Enquanto você pensa esquece de pensar que já foi o tempo de inquietar desliga o abajour. Enquanto você dorme ele dorme também. Boa noite!

Recreio, 2009
Foto Silvana Cardoso, 2018

Uma jovem senhora

“A culpa é daquele irresponsável que fui, quando achava que ter cinquenta anos estava muito distante e isso não era problema meu.”. E gargalhei com prazer ao ouvir a sentença de alguém que quase morreu perto de completar meia década de vida. Percebi naquele momento que não foram muitas as minhas irresponsabilidades enquanto tentava fazer tudo dar certo, como a mãe do Diego, que também não imaginava muita coisa, pois também era jovem.
Mas o tempo, esse caprichoso e desobediente, passou. E, um dia, já perto dos meus cinquenta anos, cheguei à banca de jornal do Sr. Luiz e, com a festa habitual dos nossos encontros, de repente, o senhorzinho de quase oitenta anos falou com aquele sotaque italiano: “Siuvlana, você é uma jovem senhora muito bonita”.
E ganhei o fim de semana com o elogio. Sim, eu já me sentia uma jovem senhora e já começava a delinear um recomeço, após tanta responsabilidade. Também já estava na hora de ser irresponsavelmente livre, cuidar um pouco mais exclusivamente de mim, voltar a estudar, encontrar a minha essência, buscar um plano para antigos desejos, colocar uma nova vida em prática.
Em pleno processo olho em volta e vejo os que amo, procuro me manter por perto, mas percebo também que começo a aprender a caminhar por mim, enquanto mantenho as duas gotas de óleo na colher, enquanto aprendo a ser mais leve, enquanto recomeços, enquanto melhora a confiança para os novos tempos.
Meio de careta, a mãe do Diego continua a andar por ai sem medo de bicho papão, na companhia de uma xícara e café pela manhã, uma taça de vinho à noite, rodeada dos meus, contando boas histórias e sorrindo, na construção se ser uma sábia senhora, apenas.

Foto pelo veloz olhar do amigo-irmão-amado Marcos Hermes, em um dia de encontros felizes, de amigos e trabalho, na CDA, no Rio de Janeiro, em abril.

Para ouvir: Alma Nua (Vander Lee)

Ó, Pai
Não deixes que façam de mim
O que da pedra Tu fizestes
E que a fria luz da razão
Não cale o azul da aura que me vestesDá-me leveza nas mãos
Faze de mim um nobre domador
Laçando acordes e versos
Dispersos no tempoPro templo do amorQue se eu tiver que ficar nu
Hei de envolver-me em pura poesia
E dela farei minha casa, minha asa
Loucura de cada dia
Dá-me o silêncio da noite
Pra ouvir o sapo namorar a lua
Dá-me direito ao açoite
Ao ócio, ao cio
À vadiagem pela ruaDeixa-me perder a hora
Pra ter tempo de encontrar a rima
Ver o mundo de dentro pra fora
E a beleza que aflora de baixo pra cimaÓ meu Pai, dá-me o direito
De dizer coisas sem sentido
De não ter que ser perfeito
Pretérito, sujeito, artigo definido

De me apaixonar todo dia
E ser mais jovem que meu filho
De ir aprendendo com ele
A magia de nunca perder o brilho

Virar os dados do destino
De me contradizer, de não ter meta
Me reinventar, ser meu próprio deus
Viver menino, morrer poeta

Tambor do Seu João

La pelas bandas de Alcântara, no Maranhão, na lua cheia de agosto o Tambor de Crioula embala os festejos de São Benedito. Seu João, que desde os doze anos cuida da igreja de N. Sra. do Rosário dos Pretos (que também abriga São Benedito), puxou os tambores que descansavam no canto da igreja e tocou para quem estaria longe na semana da festa. Gratidão e muita emoção.

Alcântara, MA, julho, 2016
Vídeo Seu João: Silvana Cardoso

Nosso tamanho

O que queremos fazer nem sempre é compatível com o que devemos fazer, assim como o que, de verdade, podemos fazer. Por vezes acreditamos que ao estarmos mais velhos, adultos, e experientes, saberemos o nosso tamanho. Mas nem sempre é assim e por vezes vamos nos deparar com uma quantidade de areia maior que a caçamba do nosso caminhão.
Quando era muito, muito jovem, de repente, descobri que não tinha mais certezas, mas sim, deveria fazer o que era para ser feito. Creio que a partir deste momento nunca me dei limites nesse ideal de fazer tudo dar certo, inclusive para o outo. Hoje, mais que nas 24 horas de ontem, pelo menos, ainda busco perceber o meu limite em dar conta de tudo à minha volta.
Talvez pela força do DNA ou pela coragem de viver o que é para ser vivido, as vezes meu caminhãozinho não dá conta de tanta areia para carregar. Escolhas, sempre as nossas escolhas. Até mesmo para ter coragem e dizer: não estou dando conta, queridos. E isso tem a ver com o que podemos fazer, com o que está ao nosso alcance sem se prejudicar, já que nem sempre temos consciência de que só poderemos ajudar o outro se estivermos bem.
Pode ser a pessoa que você mais ama na vida, mas ela vai estar no mundo que ela criou para si e você não vai salva-la das próprias escolhas, seja para a vitória ou para a derrota, para o bem ou para o mal. Aliás, todas as vezes que a vida bateu pesado na minha porta fui lembrada que ali estavam as minhas escolhas.
Penso que podemos usar como exemplo a instrução de segurança quando entramos num voo, quando diz: “Em caso de despressurização da cabine, máscaras cairão à sua frente. Coloque primeiro a sua e só então auxilie quem estiver ao seu lado”. E você não vai salvar o outro sem antes se salvar. Assim é e assim será o caminho que podemos trilhar para realizações ou frustrações, a partir das nossas decisões.
Como nunca é tarde para ficar esperto diante da Dona Vida, e como é sábio aprender com o caminho percorrido, ainda busco fazer doer menos em mim as dores dos que amo, ou as dores da desumanidade do mundo mas, pelo menos,  estou descobrindo dar conta da quantidade de areia que consigo carregar.

Foto: Miriam Juvino, Tiradentes, MG, maio, 2014

 

 

 

 

 

 

Quase tudo

Aceito que tenho sorte, obrigada!
Não fico sentada esperando por dias melhores.
Acredito que somos felizes quando queremos ser.
Quando não está nublado, descubro beleza em qualquer coisa.
Procuro ver o lado bom dos meus amigos.
Falo verdades, quase sempre, quando posso.
Não gosto de fofocas.
Os sons do dia me alimentam.
Choro vendo comercial de sabonete.
Adoro ouvir histórias de desconhecidos.
Não gosto de mentiras, mas as vezes é necessário para a mãe ficar calma.
Costumo fazer tudo ao mesmo tempo e as vezes alguma coisa sai mais ou menos.
As vitórias alheias me dão coragem para seguir adiante.
Gosto de olhar os meus livros na estante.
Desanimo só por um dia ou algum momento do dia.
Nem sempre é fácil pegar a cara, passar na barra da saia, sair andando por aí.
Meu péssimo dia poderia ser um ótimo dia para alguém.
Andar de bicicleta pela orla é pura liberdade.
Sei que não sei de nada.
Mudo de idéia sem culpa, as vezes.
Prefiro branco e azul a rosa ou vermelho. Adoro preto!
Gosto de ler qualquer coisa.
Amo meu filho incondicionalmente e morreria por ele.
As vezes sou muito impaciente com gente lenta.
Faço o melhor que eu posso, pelo menos tento.
As vezes fico muito cansada.
Nem sempre agrado quando quero agradar.
Quase sempre durmo bem tarde.
Estou sempre a espera de uma boa notícia.
Neste momento, meu foco é o agora.
Faço muitos planos para viajar.
Um bom vinho é sempre uma ótima companhia.
Pessoas ainda me magoam.
Acredito nas pessoas.
Não sei se acredito no amor de hoje.
Adoro usar vestido com bota longa.
Queria operar a miopia e tenho medo.
Bons amigos é uma ótima família.
Telefone me deixa com dor de ouvido.
Tenho alergia no outono, mas amo o outono.
Nem tudo que gosto me faz bem.
Adoro São Paulo, Recife, Olinda, Paraty e Paris.
Preciso viajar mais e mais.
Ainda tenho muito para ver e ouvir.
Nem sempre sou fácil de levar.
Espero que a velhice me encontre em paz.
Observo com cuidado pessoas que gostam de se exibir.
Tenho cautela com estranhos conhecidos.
Preciso ser amada como todas as pessoas.
Ouvir o silêncio me comove.
Música alta em ambiente pequeno é um caos.
Amo cachorros.
Preciso aprender viver a dois.
Pago minhas contas.
As vezes queria alguém para pagar as minhas contas.
Vejo que buscamos os nossos erros.
Podemos perseguir as nossas conquistas.
Não tenho certezas, mas sigo.
Se arrepender não é tão grave assim.
Bom estar em família nos dias felizes, nos tristes também.
Muitas histórias estão nas fotos, na minha estante.
Lembro de cada detalhe do que vivi.
Tento apagar as tristes lembranças.
Sigo com fé em Deus!
Procuro ouvir.
Tento aprender.
E agradeço pela sorte que tenho.

Rio, 11 de Maio, 2009
Foto da foto da bolacha da churrascaria, de 2009,
de Silvana Cardoso

Devaneios

Me empresta o teu sonho? Estou desavisada de mim…
Ao acordar, me recordo apenas dos fragmentos e isso me atormenta por todo o dia. Quero lembrar do sonho sonhado quando desperto para o dia.
Mas, não.
Me empresta um pouco dos seus devaneios, pois estou cansada dos meus.
Quase deito sem prestar atenção no sono, ele demora, vem com indefinidas rasuras, dobraduras extensas e sem sentido, quase um origami.
Me empresta o que sobrou daquela noite sonhada, insone ou qualquer outra que se lembre e possa me emprestar…
Devolvo quando tomar posse dos meus.

Búzios, RJ
Foto: Silvana Cardoso

A nossa fé e a fé no outro

Nem sempre é fácil ter fé no outro diante das inúmeras atrocidades humanas, sejam os atentados da última era do terrorismo que vivemos ou mesmo diante dos políticos do nosso país. Mas a verdade é que ter fé ainda nos salva a ter fé de que algo vai melhorar. Sou cristã e espiritualista de formação familiar, mas descobri que acreditar que tudo dará certo é muito mais difícil que crer no subjetivo.
Um dia ouvi que na Alemanha não era preciso ter fé, pois lá tudo funciona perfeitamente para a população. Imagino que isso facilita acreditar que o ar, a água e o sol é tudo que se precisa para viver em paz, quando segurança, educação, saúde e as lei que protegem o cidadão estão em dia. Mas como acordar sem fé no Brasil? Mesmo que eu estivesse na Alemanha ficaria de lá rezando, mantrando, orando, meditando por vós, por nós e por todo o planeta em declínio.
E hoje foi um dia de fé aqui no bairro, já que 8 de setembro é dia de N.Sra da Penna, santa protetora das artes, das ciências e das letras, padroeira da imprensa, que descobri por causa da Tia. Ninguém da minha aldeia profissional a conhece e isso me faz lembrar daquela brincadeira do novo Zorra (programa da Rede Globo), quando Deus resolve questionar a falta de devotos de um determinado santo. Se “Jacarepaguá é longe pra caramba”, já diz a música, imagina conhecer nossa-senhora-da-pena, que fica na Freguesia, uma igrejinha mínima encrustada lá no topo de uma pedra.
Mas hoje o pátio do lado de fora da igrejinha é coberto especialmente para a data, fica lotado para a missa, que nos últimos anos, neste dia, conta com a celebração de Dom Orani. O evento começava às 11 horas, a fila do teleférico estava imensa e subi a pé todo o “morro”. Cheguei derretida e, por sorte ou fé, tinha uma cadeira vazia bem ali na primeira fila, a minha espera.
Deixo de lado as minhas diferenças com a Igreja Católica Romana (prefiro os Ortodoxos) quando o assunto é Jacarepaguá ou Santo Antônio, e ali estava eu de frente para a imagem. Pensava o quanto era estranho ter uma santa que “tecnicamente” é a protetora de uma classe em maioria de ateus ou agnósticos, mas segui ouvindo Dom Orani Tempesta, o Cardeal Arcebispo da nossa cidade. Ele falou sobre o perdão, sobre dar o primeiro passo em direção ao outro, aceitar o outro, sobre as intolerâncias que estamos presenciando mundo afora.
Fiquei ali olhando aquelas pessoas, olhando todos nós, entre crianças e o Sr. José Augusto, fotógrafo e homem de fé, que usa uma máquina analógica e de joelhos faz as imagens na hora da comunhão. E fiquei ali com aquela energia de amor e paz que me fez pensar o quanto me ajuda ter uma fé inabalável nas energias boas do universo e, acima de tudo, ter fé no outro.

Foto: Silvana Cardoso

 

 

 

Vento de mim

Hoje sou o vento leve que me leva
Acordei sem pressa para ser
O vento passou pelos meus cabelos
Fiquei ali
Não fui a lugar algum
Aqui tá bom
Vivendo a beleza de dias leves
Hoje sou o vento das minhas lembranças
As mais queridas
Sem pressa para chegar a lugar algum
Caros amigos em volta
No entorno do amor da partilha justa de cada um
Adornada de alegrias breves e felizes
Hoje o vento me inundou de boas noticias de mim
Estou leve
Sendo vento, assim, meio brisa
Leveza que levanta a saia, balança os cabelos
Abranda o sol de dentro
Hoje voei por ai, sem pressa alguma de mim
Ainda passo por entre os passos
Que me levarão, como esse vento
Apoderado de mim

 

Recife, 31 de dezembro, 2009
Foto: Silvana Cardoso em 29/11/2011