Arquivo da tag: escritacriativa

UMA ÁRVORE DE NATAL, CRÔNICA NA ANTOLOGIA DO SARAU ATEMPORAL

Convido vocês para a leitura da minha crônica, abaixo, Uma Árvore de Natal, que está na Antologia de Natal do Sarau Atemporal 2021, da Editora Apena @apena.editora, que estou participand
Desejo um amoroso e ensolarado 2022!❤️🌻❤️
Antologia de Natal estea disponível para leitura, gratuitamente, pelo link: https://cutt.ly/cY7Guvb (autores por ordem alfabética. Uma Árvore da Natal está na página 82).

Uma Árvore de Natal

Percebo que deixei de lado a minha pequena e companheira Árvore de Natal neste dezembro. Mas arrumei um lugar para ela em cima de uns banquinhos coloridos que habitam a sala. Me pareceu que ela está feliz ali. Mas não pendurei seus enfeites. Até comprei mais alguns, como faço todo ano, mas os dias passando, dezembro avançou e não me reuni envolta dela, sentada no chão da sala, para colorir suas hastes ainda verdinhas com velhos e novos penduricalhos. Juntei por perto uma caixinha de lâmpadas pisca-pisca que comprei no ano passado. Ela ficou ali. Nada justo com aquela pequena árvore que já chegou com suas bolinhas vermelhas de metal nas extremidades.

Ela me conquistou de relance, após um dia de trabalho temporário, quando o andar apressado parou em frente  à pequena lojinha na Rua do Rosário, no Centro do Rio de Janeiro. Naquele tempo de pouca beleza, fazia o caminho até o ônibus por ali, para ver o colorido das  lojas de flores da rua. Parecia pequena, mas uma boa possibilidade da casa ganhar o colorido de uma árvore nova, após um ano duríssimo, em todos os sentidos.

Neste amontoado de anos, aventuras de três décadas desde aquele fim de tarde, quando resolvi levá-la para casa. Ali, ela representava conquistas de algum trabalho após uma separação dolorida, com um filho pequeno e triste para consolar.  Sim, com coragem e determinação em me acompanhar, minha Árvore de Natal pode contar aventuras e desventuras de uma mulher repleta de possibilidades e reinvenções. Ela me ajuda a separar estas décadas. E me faz lembrar, quando a cada dezembro nos reencontramos e, enquanto baixo os seus galhos e coloco seus enfeites, passamos a limpo o ano em questão.

Em anos de casa cheia, numa década ainda perto, uma árvore grande foi colocada na sala, para que os pequenos, o afilhado e filhos dos amigos, pudessem ter uma tarde de entrega de presentes com mais impacto. Árvore exuberante. Como estava a vida naqueles anos, mais nos trilhos, entre os amores que me cercam e outro que havia chegado. Mas a minha pequena árvore nunca ficou sem estar por perto. E, naqueles anos, esteve junto, no meu local de trabalho. Mas a grande árvore não se sustentou naquela sala, naquela década que parecia perfeita. Seguiu. Não a pequena Árvore, que comigo se mudou de casa. De vida. De cidade.

Neste 2021, ainda dando pequenos passos de conquistas para lá e para cá, ainda tateando os últimos dias de mais um ano desafiador, faltando exatos dez dias para o tão esperado 25 de dezembro, minha pequena Árvore ganhou seus enfeites. Ganhou também um laço dourado no seu galho verde mais alto e o pisca-pisca de colorido leve, de mudança de cores quase em lentidão. Conversamos. Falei do tempo de incertezas, das pequenas alegrias que ainda cultivo. Confessei meus medos. Partilhei pequenos segredos para este 2022. Mas, da nossa cumplicidade, o que não mudou no compartilhar com a minha pequena Árvore de Natal foi a fé na vida que me alimenta – com as palavras que transbordam de mim e me consolam, com o desejo que as fatias de 2022 sejam de tempos de paz. E de leveza, para os meus amores e para a humanidade.

Feliz Natal!

Pedro do Rio, Petrópolis, RJ, 15 de dezembro de 2021.


AMORES E ANIVERSÁRIO NUM DOMINGO

Todo mundo já comemorou, pelo menos, um aniversário em isolamento social pela Covid-19. Com isso, percebo que se nada mudar para melhor com tudo que estamos vivenciando, seremos mesmo designados ao fim da existência. Mas meu segundo aniversário pandêmico me faz contar para vocês que ganhei o nome da minha bisavó materna, vítima da Gripe Espanhola, a última pandemia que a humanidade havia conhecido, em 1918. Vovó Bisa Silvana partiu jovem, aos 36 anos, deixou uma escadinha de filhos pequenos, estando minha avó com 9 anos que, ainda criança, ajudou a cuidar dos irmãos. Vovó possuía poucas lembranças da mãe, mas sempre lembrava e comentava da pandemia. Desejou ter uma neta com esse nome como uma homenagem e minha mãe atendeu ao pedido. Foi assim que, muito prazer, me chamo Silvana, filha de Jacy, neta de Maria da Penha e bisneta de Silvana.

E neste novo ano, que foi o meu segundo sem muitos abraços pelas angustiantes distâncias – sem falar na tensão que estamos vivendo, na tristeza pela perda de pessoas amadas, na tragédia desse governo, do cuidar do emocional e afins – que, otimista ao extremo como sou, continuo inventando coisas para fazer, para trabalhar, para mudar, para seguir adiante. Foi assim que concordei em administrar o Aibnb de um chalé de amigos. Mas foi neste mês de julho que inventei desafios de ordem tecnológica para minha existência e, entre uma enxaqueca e outra, atualizei o telefone novo, presente de Diego e Carol. Também resolvi cancelar a conta PJ do Itaú, já que a cobrança mensal era incompatível com a realidade atual. E lá fui eu para a aventura de instalar um banco digital no telefone novo. Não satisfeita, resolvi comprar um adaptador para transformar a TV em Smart. Ok, foi meio além do que minha tecnologia mental pode dar conta, mas com a ajuda de um e de outro, sucesso!

Sigo aqui com meus recém comemorados 5.7, com corpinho e cansaço compatível com o numeral, com as desventuras do país, mas ando com meu jardim verdinho nesse fim de semana que vivi a comemoração intimista. No frio além da conta que nos pegou quase de surpresa, com aquecedores e afins, comemorei na companhia de Alfredo, Alzer e Cintia, com comidas, bebidas e muita diversão, com histórias, causos e Olimpíadas na TV. E assim foi o aniversário: com o amor de Alfredo e esse casal querido que nunca me deixou sozinha por aqui. Eles representaram todos que eu gostaria de ter abraçado, mas os meus queridos e amados escreveram nas redes, ligaram, fizeram vídeos, me marcaram em fotos, desejaram felicidades ao vivo em programa de rádio (a Tia ouviu), deixaram declarações de amor e afeto, tão necessários por todos estes dias de ausências e saudades diversas que estou vivendo, que estamos vivendo. E lembrei de aventuras que vivi com cada um lendo os bilhetinhos.

Nasci no dia 1 de agosto e quando acordei neste ano de 2021 era domingo, e eu adoro domingos, e foi dia de aniversário, e foi com saúde, entre pessoas amadas, ao vivo ou online, em paz. Entendi que este era o meu melhor presente, mas o sino tocou na varanda, era Nuxa e Patrícia, traziam um desejado Manacá da Serra, grannde, repleto de brotos e flores lilases e brancas. 

Naquele momento, agradeci baixinho ao Senhr do Universo, a Deus e pensei: definitivamente o meu domingo está completo.

A PRIMAVERA, O CANTO DO SABIÁ E A LIBERDADE

Algumas horas nos separam da nova estação. Alguns dias nos separam do primeiro ano do resto de nossas vidas. Seja no pessoal ou no profissional, o desafiador ano de 2020 abalou as estruturas, misturou os sentimentos, refez diretrizes, mas quem semeou vai colher – seja força e coragem, reinvenção profissional ou crescimento espiritual. Não importa a ordem, quem de alguma forma se fortaleceu com 2020 já está fazendo planos para 2021.

Por aqui, quando agosto chegou com seus ventos gelados para iniciar o semear, e enquanto aguardávamos a chegada da primavera, além da semeadura chegavam os pássaros enamorados. E neste agosto, enquanto o home office já era fato numa jornada desleal para muitos, lá fora, o balé e o longo canto do sabiá laranjeira ecoou como todos os anos. Foi a liberdade de ser pássaro versus a prisão de ser humano versus a fumaça das queimadas que dividiu em dois a tragédia do nosso país, com queimadas e Covid-19.

Para muitos o home office é um sofrimento, para outros, a liberdade das amarras do cotidiano profissional. Mas quando se trabalha em casa há mais de uma década, independente, é preciso gostar de cotidianos, da disciplina do plano do dia. E eu gosto. Mas de todas as conquistas que mantiveram a minha carreira em ordem com a liberdade almejada por muitos, algo ainda me faz falta: o dia-a-dia com a equipe.

Mas aqui tivemos equipes organizadas revoando com a chegada da primavera. Trazem aprendizados com a migração, assim como estamos tentando novos aprendizados nestes últimos meses. E por aqui, mais observação menos falação, alguns ninhos em volta da casa, mães desesperadas para alimentar seus bebês pássaros, misturado a saudades diversas que foram sendo diluídas à conta-gotas.

E quanto a liberdade? Bem, Santo Agostinho, um grande filósofo e teólogo que falava do livre arbítrio, disse: não importa se estamos presos, a liberdade está dentro de nós. E nestes últimos meses observar os pássaros ajudou a amenizar dúvidas e acreditar que a cada estação temos muito a aprender, como ensinar um filhote a comer e a voar, enquanto ele se fortalece.

Na foto, nosso pequeno Josué, que em breve seguirá na essência do que chamamos de liberdade. Verão, seja bem vindo para todas as pessoas.

Rio de Janeiro, 20 de dezembro de 2021.

FIZ UMA LIVE COM VANDRÉ SILVEIRA

Quando chega um aviso de live eu penso: mais uma, não sei como dar conta, DeusMeLive. Mas quando recebi o convite para fazer uma live, aí sim pensei: com certeza não vou dar conta.
Mas a recusa não teve aceite e dei conta, e arrumei a luz para não ficar com cara de fantasma e falei pelos cotovelos com o querido amigo e talentoso ator, Vandré Silveira.
O trabalho me uniu ao Vandré há alguns anos, mas o prazer pelas coisas simplas da vida, a fé nas pessoas, o amor pela natureza e os animais, foi o que acolheu e fez crescer nossa amizade além do dia a dia da parceria de trabalho.
Nesta live tem um pouco desses temas, desses nossos papos sobre a vida, sobre ser emotivo, emocionado e crédulo de que tudo tem seu tempo para acontecer. Falamos também da finitude.
Em um determinado momento da transmissão, conclui que somente eu falava, o que Vandré, com seu jeitinho sensível, amoroso e gentil me respondeu : “mas eu faço a mediação e você fala, é assim mesmo”.
Como não amar este querido que me arrastou para o instagram, com cara de cansada, às vésperas de colocar no ar a segunda edição de conteúdos do Festival estar Bem. Pelo menos passei um corretivo nas olheiras. Vai lá conferir e me diz.
LIVE com Vandré Silveira: https://www.instagram.com/tv/CBl7hLbDmuM/?igshid=io48qgu6xogk


Por um jardim verdinho e florido

Traço um plano para as minhas empreitadas. E foi assim, dando voz ao plano de ter um jardim verdinho, florido e com algumas árvores, que hoje tenho um quintal para chamar de meu.
Digo um quintal e não um jardim, digo capim e não gramado, já que a equação chuva versus grama é algo que pode te levar a falência. Por aqui ainda gramo, literalmente, para ter um gramado cuidado, com as árvores sem as touceiras de capim navalha em volta de seus troncos. E flores.
A primeira relação desastrosa com o dia a dia no verde foi a samambaia, quando a deixei na varanda pelos três dias que fiquei no Rio. Quando retornei, todas as folhas haviam se transformado em comida de formiga, onde num trabalho cooperado só restou os caules.
Então a equação é assim: você planta e as formigas comem, chove, e as formigas dão uma sumida, mas a grama cresce absurdamente. É nessa hora que paga-se uma pessoa para roçar a grama, que roça junto o seu jovem e belo Ipê Rosa, presente da sua comadre amada. Então é assim que funciona: se as formigas não comem, um distraído te elimina dois anos de crescimento da árvore que você plantou com tanto cuidado.
Moral da questão: para transformar um quintal num belo jardim verdinho e florido é preciso ter coragem para contratar um jardineiro. Coragem para confessar ao profissional que não sou rica, mas abusada, e que necessito de um jardim bem cuidado e florido. Depois, fazer o cursinho de jardinagem para iniciantes que peguei o telefone.
Logo após vir morar aqui fui convidada para um leilão, dar lance e tudo mais. Foi numa casa lindíssima em Itaipava. Jardim suntuoso de flores e folhagens, com árvores centenárias, parecia locação do núcleo rico da novela das nove. Após a venda da casa tudo que pertenceu aos donos da mansão de oito quartos – de tapetes, camas e quatros, a toalhas bordados e copos diversos, milhares de itens – abasteceu o grande leilão por dois dias.
Derrotada nos lances de uma estante, uma chuva torrencial caiu e resolvi me refugiar na varanda, na cia de dois senhores que estavam lá sentadinhos há horas. Me cheguei e fui entender que ali se tratava de dois funcionários de décadas da família – o motorista e O JARDINEIRO.
Hoje, passado uns meses daquele dia, tomei a decisão de que é chegada a hora de abrir mão daquele vestido novo, daquele armário da lavanderia, do jantar com amigos no Rio, daquela viagem distante. É chegado o momento de todos os fundos de reserva dos próximos meses serem destinados ao quintal. E quem me conhece já imagina que naquela noite chuvosa e frustrante no leilão peguei o telefone do jardineiro da mansão. Sim, peguei.
E aquela garota que plantava margaridas com o pai é hoje uma jovem senhora que pretende transformar o seu quintal num belo e bem cuidado jardim, numa pequena e fofa casa na serra.
Vamos a isso 2019.

 

 

Meu texto no livro “Como se encontrar na escrita”, da Ana Holanda

Uma honra ter um texto de minha autoria no livro “Como se encontrar na escrita” (Rocco/Bicicleta Amarela), querida Ana Holanda.  É muito amor envolvido.
O texto, “O que aprendi ao lavar roupas”, também foi publicado na revista Vida Simples e pode ser lido no pdf das páinas no link: https://passarimcomunicacao.com/2017/03/01/vida-simples-o-que-aprendi-ao-lavar-roupas/

O QUE APERENDI AO LACAR ROUPA
Sonhei com vovó. Sonhei que estávamos conversando e lavando roupa, como antigamente. Aqueles pequenos prazeres em companhia da matriarca da minha família. Acho que meu inconsciente me chamou para retomar aquela história de lavar roupa que comecei a contar há exatos 12 meses, no dia 27 de dezembro de 2015 – naquele dia de calorão de verão como hoje, de sol forte como hoje, de luz intensa como hoje. Lembro que fui interrompida pela pergunta do tio, se eu sabia com quantos anos o pai dele, meu avô, havia morrido. Busquei os documentos e falei: com 42 anos. Jovem, né? Ele me respondeu “eu tinha quatro anos”. Mais tarde, fui interrompida desta vez pela febre alta que ele estava. No dia seguinte perdi o rumo da prosa ao me deparar com a sua morte. Foi triste e não conseguia mais voltar ao texto.

Hoje, exatos 12 meses daquele dia, eu abro o arquivo no computador, apago tudo e, como na vida, recomeço. Olho pela janela e vejo meus lençóis na corda, balançando como naquele dia. Lembro mais uma vez que sou neta de lavadeira, que os ensinamentos de D. Maria da Penha me fortalecem e me ajudam a passar pela vida como neta de lavadeira. Daquela que, após a morte do jovem marido aos 42 anos, criou os cinco filhos menores de idade “lavando roupa pra fora”. Contava suas histórias e apertos enquanto me ensinava como segurar o pedaço da camisa com as duas mãos, os punhos fechados para, num movimento de vai e vem, esfregar o pano em cima do polegar. Tempos difíceis na década de 40, quando tudo que ela sabia fazer se transformou em trabalho para criar os filhos, o menor com quatro anos – o Tio querido que cito acima.

Tenho uma prima que também gosta muito de lavar roupa, como minha mãe também gostava. É hereditário, falamos! Enquanto alguns se divertem com a confissão, sinto um prazer imenso todas as vezes que separo as roupas para lavar – colocar na máquina, esfregar algumas na mão, pendurar nas cordas, esperar secar para “não dormir no sereno”. Costumo fazer isso nos dias que estou bem calma, com tempo, para aproveitar e conversar comigo mesma, até para não espalhar meus pensamentos por ai em voz alta. E quando faço isso, observo os lençóis que balançam ao vento nos fios de cobre e percebo como aqueles movimentos me enchem de alegria, sentimentos que fazem parte da minha infância.

Lavar roupa parece fácil, mas ser lavadeira na década de 40 não era tarefa simples, já que a lavadeira deveria pegar a roupa na casa do cliente, levar para casa, lavar, engomar, passar e entregar tudo limpinho, esticadinho  e cheirosinho de volta na casa do freguês, e tudo sem maquina de lavar ou ferro elétrico. Mas a profissão que foi desaparecendo dos grandes centros a partir do aperfeiçoamento do advento da máquina de lavar, no final do Século 17, começou mesmo a perder espaço por aqui no início do Século 20, quando a industrialização chegou a terra brasilis. Mas lavar roupa, contar histórias e cantar à beira do rio ainda pode ser uma cena comum em algumas poucas localidades do Brasil, no interior de Pernambuco e Minas Gerais, por exemplo.

Dessa tradição, em 1991, nasceu um grupo de cantoras em Minas Gerais, as Lavadeiras de Almenara. Senhoras lavadeiras que às margens do Rio Jequitinhonha fazem seu ofício e entoam as cantigas que aprenderam com suas mães e avós. Cantam para não esquece-las, com o intuito de não deixar a tradição morrer com a profissão, já que através das músicas também contam suas histórias pessoais e de toda uma região do Brasil. E pelas mãos do músico e pesquisador cultural Carlos Farias o grupo de lavadeiras já tem conhecimento em todo o Brasil. Lavadeiras de Almenara também se apresentam em diversos países, como Portugal e Espanha, já gravaram CD e receberam a medalha Ordem do Mérito Cultural em 2010, pelo Ministério da Cultura.

Voltando para os ensinamentos de vovó, minha Maricota, que me ensinava coisas, ela dizia que ajuda de criança e pouco e quem rejeita é louco. E assim, aprendi a cozinhar e a lavar roupa de verdade. Enquanto me ensinava os afazeres domésticos, também me ensinava sobre sentimentos, sobre as pessoas, sobre fazer caridade levando uma água para o padeiro no portão, pequenos gestos do bem, sobre ter um olhar acolhedor para o outro. Ainda hoje, quando vejo minhas roupas branquinhas e limpinhas voando na corda, me lembro da sua sabedoria de gente sábia.

Mas hoje, creio que lavar roupa na mão não seja algo atrativo para a criançada da atualidade, conversar entre família lavando roupa então, extinção completa. Entretanto, vejo que algumas tradições familiares estão sendo resgatadas após gerações de mães culpadas de filhos órfãos. Cozinhar é uma delas. A grande quantidade de programas sobre culinária e o incentivo através deles para que as crianças retornem com seus pais para a cozinha. Mesmo que seja só um apelo para os pequenos saírem da frente da web, para aprender coisas diferentes, quem sabe este seja o pulo do gato para que as nossas jovens famílias retomem a educação através do coração amoroso e sábio da matriarca, do mais velho, do mais sábio.

Hoje, quando estendo minhas roupas penso naqueles ensinamentos à beira do tanque de pedra da nossa casa de vasta calçada, onde colocávamos as roupas para quarar. Ainda me pego estendendo uma toalha de plástico no sol de lascar para esticar uma toalha de banho para ficar bem branquinha, “mas não pode deixar a roupa esturricar, falha gravíssima para uma lavadeira”, dizia vovó. É preciso ficar de olho, ir molhando aos poucos, com uma água rala de sabão dentro de um balde que balança num braço, enquanto o outro parece distribuir alguma coisa ao vento, com movimentos largos para os lados espalha a mistura em cima da roupa já quente como um ovo frito. E, depois dessa movimentação que se estendia por toda a manhã, enquanto o almoço ficava pronto, é preciso recolher tudo e começar o enxague.

Naquela época não se falava em ócio criativo e como todo ensinamento precisa de uma certa prática para ter sucesso, um dia perguntei para vovó como eu ia descobrir que a roupa já não tinha mais sabão, se estava ou não bem enxaguada. Ouvi: minha filha, não precisa gastar toda a água da casa, apenas encosta a roupa na boca e suga a água que ainda está nela. Se tiver sabão, você vai sentir o gosto e enxagua tudo outra vez. Simples assim, Maricota. Obrigada.

E a vida pode ser simples assim: através das conversas à mesa no jantar ou no comando das colheres de pau. Mas o mais importante é estar entre os nossos para aprender, ensinar ou relembrar os “causos” do passado, os acontecimentos do dia anterior. Aquelas situações que pareciam indissolúveis e tiveram solução. Ou mesmo aquelas histórias bizarras de família que você jamais vai esquecer e recontar com a sua imaginação para os seus filhos. Não importa quanto tempo se passe daquela avó ensinando uma neta a lavar roupa, as memórias e experiências de toda uma vida ainda podem mudar o mundo, ou o pequeno mundo que construímos à nossa volta.

Silvana Texto @silvanaespiritosanto (foto arquivo pessoal)
Design @patifernandes

Cartas e fotografias

Acredito que ouvir faz parte do caminho de aprender e ontem fui ouvir e aprender no enconro com a amiga-querida Ana Holanda (www.anaholanda.com.br). Durante o dia, emoções e desafios para uma turma repleta de mulheres maravilhosas e corajosas, expostas com os seus anseios. Quase ao fim do dia, no slide, uma foto com algumas cartas empilhadas. Ana diz: “Olhem a imagem e façam um parágrafo em dez minutos”. Hoje com o peito repleto de gratidão por tanto partilhar, exponho aqui o pequeno texto “Cartas e Fotografias”.
Trouxe na mudança o que era mais importante e isso incluia uma daquelas caixas antigas de camisa, repleta de fotografias do casamento. Mamãe estava doente e já não poderia morar mais sozinha. Optei por levar suas coisas para a minha casa como se fosse uma pequena viagem, sem ela perceber que estava em outro endereço. Sua memória já confusa pelo Alzheimer não apagou momentos felizes como contidos naquela caixa de fotos do casamento, com cartinhas, bilhetes e postais que papai enviava quando namoravam. Enquanto revirávamos a caixa, e as lembranças, mamãe remontava o seu quebra-cabeças de memórias felizes. E, naqueles dias, foi bom vê-la feliz por alguns instantes.

Foto da foto do casamento da mamãe (Jacy) e do papai (Antônio Hilton), em 1963.

 

Histórias no Ar

Acho bonito ver as pessoas que já nasceram sabendo a profissão que vão seguir. Desde muito pequena até o início da adolescência eu acreditava que seria médica, a profissão mais bonita do planeta, dizia. Queria cuidar do outro e descobri que poderia fazer isso sem ser médica. Com a biologia, a ciência e muita água nos meus planos, aos 16 anos fiz vestibular para uma única turma de 28 vagas, na UERJ, para O-ce-a-no-gra-fi-a. Quase apanhei da minha mãe e, rapidamente, entendi que deveria fazer novo vestibular enquanto esperava um ano para tentar outra vez. Assim, descobri que nas “Humanas” estava o curso de Comunicação Social.

De família simples e sem o meu pai por perto para me orientar (ele faleceu quando eu tinha 14 anos), encontrei no namorado da minha prima, jornalista já formado, as respostas para o curso que eu queria tentar num vestibular isolado. Alguns meses depois a Oceanografia me perdeu, ao decidir pela Universidade Gama Filho, onde, a partir daí, construí carreira como profissional de comunicação.

Assim, há mais de duas décadas que esse olhar nas “Humanas” me leva de encontro a trabalhar com pessoas criativas. E tudo é muito humano, muito criativo e muito intenso também. Nenhum dia é igual ao outro e quando as pessoas estão se divertindo eu estou trabalhando, e quando vejo TV fico reparando se falaram errado, se a roupa não combina com a jornalista, ou mesmo se a gravação é um playback descarado. Ó vida, seria suficiente ver TV apenas. Mas adoro tudo isso.

Tenho a escrita no meu DNA desde pequena, sem perceber, quando era muito normal os pensamentos serem datilografados na Olivetti do Tio. Ainda tenho estes textos de menina, poemas e afins, folhas que agora estão bem amareladas, mas esticadinhas num saquinho plástico de fichário. Há alguns anos o Tio se rendeu e me deu a máquina de presente, que hoje me faz companhia na bancada de trabalho. Às vezes, de rabo de olho, quase peço aprovação para escrever algo novo, já que preciso contar histórias e ela é a minha mais antiga cúmplice na empreitada.

E quando decidi criar o site para apresentar o meu histórico profissional, resolvi fazer contando as histórias que marcaram a minha experiência de toda uma vida (e ainda faltam algumas). Acredito num olhar mais humano para algo que, por vezes, banalizamos como um veiculo para se ganhar dinheiro, para se conquistar sucesso, para se ter poder. Pode ser tudo isso, claro, mas viver dentro de uma empresa por oito ou doze horas por dia, sete dias por semana, pode ser estressante, caso não goste do que faz, e gosto de gostar. Para ilustrar, nesta etapa da construção do conteúdo do meu histórico profissional, eu não teria conseguido sem a ajuda de Juliana Feltz, amiga querida e parceira, que entrou na minha vida há quase uma década para um job mínimo, e ficou. Hoje, caminhamos juntas nessa estrada imensa da amizade (Obrigada, Juju).

Por isso acredito que seja possível olhar parte destas horas como um aprendizado humano, sair ganhando até mesmo quando se desiste de continuar num determinado trabalho. Sempre há chance de conhecer alguém que será seu amigo para toda a vida ou mesmo rir de nós mesmos ao relembrar situações absurdas. Ter uma boa história daqueles dias para contar num futuro próximo, sem perceber, pode ajudar na construção de um profissional melhor. Só depende de uma pequenina dose de boa vontade.

Sejam bem vindos a http://www.passarimcomunicacao.com

 

Rio de Janeiro, 25 de maio, 2017
Foto: Silvana Cardoso

Viagem e desapego

Imagina uma pessoa que tem a chave da mala no chaveiro do carro. Imaginou? Pois bem, há um ano e meio abri mão do que era “meu” para ir em busca do que é imenso dentro de mim – a vontade de experimentar outros conhecimentos, outros lugares, outras aventuras, outras pessoas. E a chave da mala no chaveiro simbolizava este acordo e compromisso comigo mesma. A essa altura, o melhor é desapegar para dar conta do impulso que nos faz olhar para frente. E é preciso abrir mão de algumas coisas para isso.

Desapegar é a grande viagem, que já começa quando abrimos mão e não só quando bilhetamos a passagem. É saber que o filho já é um homem, profissional e dono do próprio nariz, que é também o Diego da Carol e não o “meu filho”, que a casa já está alugada e não mais é a “minha casa”, que boa parte dos “meus livros e CDs” foram para outras pessoas, assim como roupas, sofás, armários, mesas e cadeiras. E quando visito a amiga Miriam ou a comadre Susana e me deparo com um pote, um copo ou uma xícara, fico feliz por estar usando as coisas que foram, algum dia, “minhas coisas”.

Com alguma disciplina, consegui trabalhar bastante, cuidar da saúde e planejar uma viagem. Me inscrevi, de súbito, num curso de férias de Espanhol com professores refugiados (para melhorar o portanhol). Um intensivo de 44 horas em quatro semanas, que em alguns momentos quase desisti – tamanha pressão de trabalho, somado com a pressão das aulas à noite. Dar conta do cansaço e dos pronomes, preposições e verbos em espanhol foi um desafio imenso para quem não estudava há três décadas. Voltei a ter uma turma e foi acolhedor aprender com todos eles. Além de muito divertido. Para me manter firme e não desanimar, olhava na tela do computador a passagem bilhetada que dizia: Montevideo, 10 de março. Olhava mais uma vez para a chave, que me enchia de coragem.

Isso mesmo, escrevo de Montevideo e vou ficar uns bons dias por aqui. Cheguei num “dia precioso”, como disse o motorista do Uber, dia de sol lindo, sem atraso, com uma mala pequena e o peito aberto. E já posso contabilizar, nos dois primeiros dias: as andanças do aeroporto até a casa da amiga que me acolhe; os bracinhos esticados de Mimi (filha de dois anos da amiga) que veio em minha direção e assim ganhei um abraço; as palavras de Vinícius de Moraes na porta do quarto; dos vinhos na acolhedora reunião da chegada; do shopping para trocar dinheiro; do supermercado; do ônibus errado; da faixa na entrada da Universidad de la República Uruguay, que bradava “IGUALDAD – 8 DE MARZO”; da feira Tristan Navaja.

A loucura da imensa feira de uns cinco quarteirões me encheu a alma. Acontece aos domingos, uma mistura de feira de Acari (do subúrbio do Rio) com Benedito Calixto (em SP), com a feira livre em frente a casa da Tia, em Jacarepaguá. E todos aqueles sabores e todas aquelas quinquilharias e aquele montão de gente andando num domingo qualquer, num lugar onde meus ouvidos já estão livres.

Segui o som de uns tambores e descobri que eles também andavam entre as barracas e desviavam das quinquilharias espalhadas pelo chão, numa alegria geral de quem recebia os músicos. Passavam os bonés para receberem os donativos pela exaltação ao Candombe de Ruben Rada. O ritmo e a força da música me levaram de volta ao Seu João, que tocou para mim o tambor de crioula dentro da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Alcântara, no Maranhão.

Já bem cansada de tanto andar, fiquei sentada num banco por um tempo, comi umas empanadas e me deixei levar por aquela solidão gostosa de estar longe e ao mesmo tempo tão perto de todos que amo. Vi a faixa que pede igualdade para as mulheres e pensei: o melhor lugar para estar será sempre aquele onde o nosso coração está em paz.

 

Montevideo, 13 de março, 2017
Foto: Silvana Cardoso