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Daniel e Portugal

Falei para Susana: não vou batizar. Acabei de ter um câncer e não acho justo esta criança ganhar uma madrinha quase idosa e já com uma doença grave no currículo. Mas não teve argumento que fizesse a mãe mudar de ideia. Em 2015, aos dois anos, Daniel ganhou uma madrinha de cinquenta, com as tais qualificações.

Naquele ano, a vida começava a ser retomada e os pedidos de Susana era para um encontro em Portugal, já que Daniel seria apresentado para a sua família de lá. Hesitei. Jamais poderia ficar um mês fora do país, mas quem sabe uns dias. Uma viagem um pouco diferente para ser “férias em Portugal”: não deveria extremos. E lá fui eu com uma mala quase vazia para ficar doze dias fora de casa. Da concha. Da segurança dos médicos. Embarquei sozinha. Cheguei.

Fui para a pequena cidade de Santo Tirso, trinta minutos do Porto. Lá era a base da viagem, na cia da Susana, do seu pai, o querido Vovô Mario e da Helo, amiga da família. Brincava que éramos já quase idosos com uma criança de dois anos. O meu Dindi, como chamo Daniel.

Nos primeiros passeios pelos jardins, calçadas e ruas pouco movimentadas da cidade, Daniel passava algum tempo fora do carrinho. A comadre não conseguia liberar a criança sem um barata voa de todos correndo para pegar o pequeno. Entendi a questão.

Daquele inicio das férias em diante, sem perceber, parecia injusto fazer uma viagem daquelas com uma criança presa a um carrinho. Passei a estar presa a ele nos nossos passeios. Empurrei, sentei ao lado. E ficamos juntos ali bem cedinho naquela estação de trem, rumo ao Porto e  a Lisboa. Fiz uma foto. Fiz duas. Fiz algumas do seus lindos olhos azuis. Fiz muitas fotos de Daniel. Entreguei o celular para ele, abaixada e grudada para o clique. E assim a viagem transcorreu. Eu sempre colada nele, no carrinho. Ele, com o dedinho frenético no botão do meu telefone. Deixei com som para fazer clique, clique, e Dindi amava. Quando soltava ele do carrinho, andávamos de mãos dadas ou corríamos. Mas tinha um celular para negociar nossas fotos.

Revejo as imagens divertidas, e em sequencia, nos pontos turísticos que nunca aparecem. Daniel foi nosso fotógrafo naquelas férias que me trouxeram de volta – com ele, a paz de deixar acontecer com leveza. Aquilo que eu precisava para retomar algo que havia perdido com o câncer, ali em 2014.

E sempre revejo as fotos com nossos rostos grudados. Eu abaixada ao seu lado no carrinho. Sorrisos. Um ao lado do outro, como foram todos os dias daquelas férias em Portugal. E isso ainda aquece o meu coração.

P.S: Daniel vai fazer dez anos em 2023. Me chama de dindinha. Brincamos muito e ouço suas histórias. Somos muito grudados. Quando vou de visita, dormimos juntos e sua mãozinha fica embaixo do meu travesseiro. Ele sempre desliga o telefone dizendo que me ama e que está com saudades. Eu respondo que o amo muito e que também estou com saudades. E assim, percebo que foi bom para nós a comadre Susana não ter desistido de mim.

No Instagram, algumas fotos dessa história:
https://www.instagram.com/p/CkoYkMwpnXD/

O QUE APRENDI AO FAZER PÃO

Maria e Ana, minhas primas do Espirito Santo, sabem fazer pão como ninguém. Carol, minha nora, faz um pão com fermentação natural que é uma loucura. Minha relação com fazer pão vem das muitas lembranças que tenho da Dona Rita, ou Ritinha, como eu chamava minha sogra, que fazia pão para mim grávida do Diego.
A massa descansando com o pano de prato em cima da bacia, o cheiro que vem do forno quando começa a assar, a manteiga derretendo na fatia fumegante. Hummm, como eu queria conseguir fazer um pão. Pensava todas as vezes que comia um pão caseiro.
Não que eu seja um zero à esquerda na cozinha, mas fazer um pão era um grande obstáculo. Talvez por uma valorização de que pode não crescer, nem sempre dará certo, e todas as possíveis desventuras de quem se aventura a fazê-los. Assim, passei décadas imaginando que um dia eu faria um pão e que comeria ele quentinho saído do forno.
Há quase um ano criei a tal coragem e não posso dizer que foi fácil, que os braços e as mãos não sentiram a força da massa, que de três pães a massa dobrou, e não me perguntem o porquê, ao final do amassa a massa eu tinha seis pães prontos para o forno.
Amassar na bancada da pia vazia, achar o ponto, modelar, a dúvida se daria certo, sair correndo para comprar mais um quilo de farinha de trigo. Tudo que passeava pela minha cabeça enquanto parecia uma eternidade aquela decisão de fazer pão em um sábado qualquer.
Mas enquanto o sonho e a decisão de fazer o pão estavam ali à minha frente, elas se misturavam com a decisão de mudar de cidade e vir morar longe da família em um sítio. Percebi que ali não era só o pão que poderia não crescer, ali não era somente o suor que descia pela minha testa pelo esforço da massa que cresceu demais, ali estavam as minhas escolhas e os riscos delas.
Acho que misturei naquela bancada a decisão de fazer o primeiro pão aos 54 anos com a certeza de que nunca mais eu iria parar de fazer pão.
A decisão, o esforço, o risco. Os elementos da conquista e da certeza de que mesmo quando não sai como o esperado poderia arriscar outra vez – seja na feitura do pão ou na escolha de onde morar.
Naquele sábado, quase noite alta, as garotas do sítio, Nuxa, Joana e Patrícia, chegaram com um vinho e, entre uma fornada e outra dos pães, comemos e falamos da vida como se não houvesse amanhã.
E, por enquanto e por aqui, parece que a receita vem dando certo.
(Texto produzido no curso de Escrita Criativa e Afetuosa, ministrado por @anaholandaoficial )

Pedro do Rio, 2 de fevereiro de 2020.
Foto que fiz no café da manhã do domingo, no dia seguinte daquela aventura de fazer pão.

Alguma habilidade ou bobagens de outono

Enquanto guardo agulha e linha num bauzinho, penso que poderiam ter me incentivado a fazer um cursinho de qualquer coisa manual, já que sou uma zero a esquerda para tais habilidades. Nunca tive uma caixa de costura, mas até fazia uma bainha ou outra, até descobrir a moda do desfiado e nunca mais. Me peçam qualquer coisa, menos cortar um pano retinho, ou mesmo escrever numa cartolina. Uma folha em branco são letras ladeira abaixo ou palavras ladeira acima.
Por esta e outras desculpas sinceras, há dois meses venho adiando refazer a cama do Dudu – aquela cama fofa de canos e tecido que DiegoCarol fizeram. Mas como comprei o pano leve, o cão cresceu, pesou, cavou e comeu parte do desfiado, me prometi refaze-la. Comprei um tecido de forrar coisas repleto de cães em homenagem a amiga In-Coelum, uma expert em fazer panos, paninhos, toalhas e afins. Até coleira e guia de cachorro ela faz. E tudo lindo e com acabamento perfeito. Se fosse eu, ganharia era a vida fazendo coleiras.
Nunca fiz uma roupinha de bonecas, aliás, era bem melhor andar de bicicleta ou soltar pipa. Mas tinha um quadro negro que era verde, bem grande, ficava no corredor da casa, para sentar no chão e desenhar, escrever. Era pequena, mas lembro da cena: a prima Deise combinou de fazermos uma fazenda ou algo assim. Fiquei com a galinha, mas não consegui desenhar a penosa e chorei e chorei. Deise, generosa, fez a galinha para mim. Desenhar era traumático.
Tomei coragem e decidi fazer a cama, ou melhor, pedi para a amiga Gila, que estava em casa comigo. Ela cortou, ufa, fez um acabamento à mão para evitar desfiar. Me perguntou se eu estava prestando atenção, que respondi, claro. Fiquei mais uma semana olhando para o pano. A prima Deise veio me visitar e mais uma dose de cara de pau e foi-se os arremates à mão. Mais dez dias e o pano me fitava e a cama se desfazia diante dos meus olhos. Hoje, já com a contagem regulamentar nos acréscimos, peguei o pano, a cama e segui com resignação para a tarefa que me gasta um esforço hercúleo: costurar.
Enquanto me esforçava para me concentrar no pano, as palavras voavam pela minha cabeça, espetei os dedos, mudei de posição, doeu o pulso e no meu melhor estilo fiz o que tinha que ser feito: refiz a cama do Dudu. Não saberia dizer se por tudo isso, quando me perguntam entre fazer uma bainha ou o almoço, vou preferir o almoço. Plantar quinze árvores ou fazer uns enfeites para aniversário, e plantarei uma floresta.
Penso que habilidades são prazeres que nos esforçamos para melhorar e inabilidades são prazeres alheios que insistimos em tentar gostar, sem sucesso. Hoje, sem vergonha pelas palavras voando ou pelos desfiados das bainhas, vejo a cama razoavelmente costuradinha e a alegria do cão e me basta.

Para pais e filhos, para Diego e para minha mãe

Cadê o pai e a mãe que estavam aqui? Cadê o filho que estava aqui? E quando nos deparamos sem mãe pai ou sem filho a ficha cai, sentimos saudade imensa até mesmo do que já esquecemos ter vivido. Seja por uma guarda compartilhada um casamento uma doença ou morte, não importa, vai fazer uma falta danada – um ou outro – pais ou filhos.
Olhamos fotografias e lá está aquela criancinha no colo dos seus pais que nos faz resgatar a sensação das emoções vividas e na outra ponta das lembranças a imagem daquela criancinha no seu colo te leva às lágrimas de tanta emoção. E, assim, nos sentiremos sempre protegidos e protetores, para os dois lados.
Independente do tempo, do espaço físico, das diferenças: filhos serão sempre filhos e pais a referência do seu DNA. Mas um dia, de repente, o papel se inverte, seja pela velhice, por uma doença, pela necessidade de acolhimento de quem te deu a vida, seremos mais amorosos, deixaremos as diferenças de lado e amaremos nossos pais como eles nos amam, sem ressalvas, até quando não concordam continuam nossos pais e, com o pé fincado no chã dizem: “estou com você meu filho”.
Acordamos um dia e falamos: estou tão parecida com a minha mãe, com o meu pai. Isso pode ser péssimo, mas se temos boas lembranças no meio daquelas diferenças que achávamos que não sobreviveríamos a elas, o tempo se encarrega da gratidão pela vida gerada naquele ventre, a partir de dois seres que se gostaram, numa centelha de amor e gozo, para criar um novo ser: você, eu, seu filho, meu filho, sua mãe, minha mãe, seu pai, meu pai. Estão todos lá naquele documento oficial de nascimento. E enquanto habitarmos esta órbita, serão a nossa referência, que com o tempo vamos descobrindo em nós e neles – os nossos.
Mamãe era uma pessoa muito boa de coração, generosa com os amigos, mas tinha um temperamento considerado muito difícil. Com o tempo, o Alzheimer, a minha maturidade, encontramos a paz e o amor. Quando ela partiu me senti o filho do filme “Peixe Grande”, quando todos os personagens das histórias fantásticas do pai chegam para o velório. Aquele pai que não se ajustava com aquele filho foi, sim, uma pessoa e tanto. Mamãe também.
Hoje, como em muitos dias, acordei com imensa saudade do meu filho, que está alguns poucos quilómetros de distância de mim, no seu dia a dia que segue o rumo como pessoa adulta e responsável que muito me orgulho – com a vida dele a família dele o trabalho dele o cansaço dele os amigos dele. Um bom homem, de bom coração, calmo, de sábia sabedoria, que me ensina o amor de verdade todos os dias.
Sei que vou estar onde ele precisar e ele estará onde eu precisar também. Estamos unidos pelo amor, pelo elo daquelas mãos que se atavam para atravessar a rua e que aos poucos foi se soltando para andar sozinho e confiante, mas que jamais vai deixar de precisar de um colo, um ombro, um conselho, uma ajuda. Elo eterno ancestral e para todo o sempre de nossas existências.
Hoje, como todos os dias, acordei com o imenso desejo de continuar por aqui por mais alguns anos, ter a dádiva de ser uma velhinha fofa e de cabelinho lilás, ter as mãos seguras de Diego e Carol, minha nora querida, para atravessar uma rua e algumas estradas dessa vida que nos desafia todos os dias.
Acordei – também – com a belíssima canção do filho de Paula Lavigne nos meus ouvidos, “Todo homem precisa de uma mãe”, diz Zeca, em nome de todos os filhos – homens e mulheres – desse universo.

Foto eu, Diego e mamãe pelas lentes da querida Cristina Granato, em 1999 no Metropolitan, no show Quattro Estações da dupla Sandy & Junior.

Na segunda foto, Dico e Eu na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de Tiradentes, MG, no 29 de março, feriado da Semana Santa deste ano de 2018. Sim, Diego foi comigo, Tia Marlene e Deise (autora da foto) “pagar’ uma promessa de vida muito importante para mim, e para a minha fé cristã.

Rio de Janeiro, 10 de maio de 2018.

Compartir amor

Aprender um outro idioma é descobrir muito mais que novas palavras. É descobrir significados quando estamos em território que fala a língua. E foi assim que há um ano, em Montevideo, com meus amigos Tamy, Francisco e Mimi, e Nati, descobri o real significado da palavra em espanhol “compartir”, que é muito além da tradução “compartilhar”.
E descobri que este compartilhar é o que aprendi com vovó. É quando temos muito para dar sem nos preocupar com o tamanho dessa doação, sem se arrepender de ter coragem para amar o outro e abrir a nossa casa para aqueles todos além da família: os agregados e afins.
Em Montevideo, compartir foi muito além de dividir um churrasco, uma parrilla, uma casa quentinha. Foi acolhimento de quem compartilha o prato, o afeto, a disposição para ficar horas com o seguro viagem ao telefone, te dar uma decisão para te levar ao médico para acalmar, para saber que tudo não passava de uma gripe forte após uma farra noturna regada a vento, cerveja, Candombe e chuva – nesta ordem. E foi assim que ganhei uma família no Uruguay.

Saber receber é uma arte e haja disposição. Não é para os fracos.

A mesa posta, o café quentinho, muita conversa: é nesse cenário o grande abuso da minha existência na casa alheia, na casa da Patricia. Já chego para o lanche, para o almoço e até durmo. Tamanho desprendimento e cara de pau tem nome: Dona Jô, Joselinda – uma mistura de São José com Linda – a conterrânea das minhas raízes no Espirito Santo, mãe da parceira Patrícia. Dona Jô, que com sua voz mansa sempre me fez ficar mais um pouquinho. E ainda tem um agravante: atravessar a rua e estar na areia da praia. Até Diego, meu filho, ficava sem o famoso, “vamos mãe”. E isso também tem um nome: compartilhar amor. E Dona Jô me acolhe, me aquece, me lembra vovó.
Em 2014, quando mamãe começou a morar comigo (por conta do Alzheimer), passei com ela para dar um beijo de Natal na família Joselinda, no dia 25 de dezembro. Naquele dia, comentei com Dona Jô que nunca mais comeria uma rabanada, pois além da minha mãe não ter mais como fazer, eu me descobri intolerante a lactose. Conversa vai, conversa vem e, de repente, surge à minha frente um prato de rabanadas quentinhas. Fiquei muito emocionada e jamais me esqueço daquele dia. Eu e mamãe nos esbaldamos na rabanada feita sem leite algum, quentinha, uma de-lí-ci-a. Sentei no colo de Dona Jô, abracei e beijei agradecida. Patricia fez uma foto.
Desde então faz-se o ritual da rabanada na casa da amiga, e a mãe da amiga me acolhe com gosto de família. Mas no último Natal não teve o ritual, já que fugi para a Serra logo após o dia 24 de dezembro. Há duas semanas cheguei na casa da Patricia com a desculpa de falar sobre trabalho e algum tempo depois lá estavam elas, as-ra-ba-na-das. Diego, que comia a iguaria portuguesa por todo o ano, já que era só pedir que minha mãe fazia, me ligou na “hora agá”. Contei a façanha e foi quando a voz do outro lado disse “ah mãe, não comi nenhuma no fim do ano”.
O dia seguinte foi reservado para visitar Diego e Carol, para ver Fernanda (irmã da Dona-Nora que mora em São Paulo), para beijar Almeida OGato, para conversar e levar, de surpresa, uma quentinha com as rabanadas.
E foi assim que Diego, Carol, Fernanda, e uma amiga do casal, a Pri, compartimos o amor de Dona Jô em forma de rabanadas. E isso aqueceu nossos corações.

Rio de Janeiro, 11 de fevereiro, 2018

Foto montagem: Dona Jô e Sil (2014, RJ), por Patricia Fernandes;
Mimi e Sil (2017, Montevideo, Uy), por Francisco Vervloet

Um abraço, apenas

Hoje vi um casal no meio da rua. Era um jovem casal que estava numa calçada no Jardim Botânico, perto do Hospital da Lagoa. Em alguns horários aquela calçada fica repleta de jovens da escola pública que fica em frente a Rua Faro. Passei de relance por eles, estava correndo para dar conta de uma reunião na Lopes Quintas enquanto minha amiga ficou dormindo no 6o andar do hospital federal, após uma cirurgia. Naquele momento, meio de relance, percebi que a jovem estava com as mãos nos bolsos do casaco e ele, o rapazinho, fez, em movimentos leves, a retirada das mãos guardadas e, assim, suavemente, se encaixou por entre elas como num laço e a beijou. Como não observar um pouco mais aquela delicada e inocente cena se a imagem não tivesse ficado para trás, a passos largos pela Rua Jardim Botânico.

RJ, 18 de outubro, 2017
Foto: Silvana Cardoso

O exercício era: escrever uma carta, cujo narrador é um personagem histórico.

Querido Pai,
Trago notícias e venho por meio desta dividir a minha aflição, pois parece que tudo deu errado nos nossos planos. A concepção de uma nova era a ser contada a partir da minha chegada neste planeta azedou de vez e tudo que combinamos fazer por amor ao próximo vem se transformando em ódio ao próximo. Aquelas barbáries cometidas nas arenas da Idade Média agora são transmitidas via satélite. O Senhor sabe o que é um satélite? Se não, deveria se aprimorar, pelo menos em conter o poder que deu aos homens de boa vontade, pois estão se matando sem piedade e em larga escala – via satélite.
A fome e as pestes estão por todo os lados outra vez e a penicilina já não da conta de manter tanta gente viva, assim como a intolerância mata em teu nome, seja lá qual nome querem te nominar. A velocidade para espalhar medo é tão grande que, para te dar uma noção do que estou falando, meus doze amigos e seus seguidores não sobreviveriam por um dia sequer nestas terras que o Pai me deu. Os inventos diminuíram as distâncias entre os continentes mas, com o tempo, descobriram que poderiam dominar as pessoas e assim se fez a colonização dos povos inferiores. E fizeram escravos e a descolonização gerou guerras e mais guerras. Povos foram dizimados, isolados e continuam em busca de paz e comida pós descolonização. São agora reconhecidos como Terceiro Mundo.
Também não tem comida para todos, meu Pai. Tem muita gente por aqui e continuo a vagar por ai, mas já não me reconhecem e, enquanto falo de amor e paz em Teu nome, crianças morrem de fome e o desamor é a palavra de ordem. Cada um por si, Deus por todos, é o lema. Cada um precisa livrar a sua pele e a química veio para salvar, para criar zumbis e, agora chegou a notícia da droga “dos canibais”. Melhor mesmo é uma que anestesia, em larga escala, para livrar o homem da dor do universo tão infinito. Mas o Senhor deve estar sabendo que, além de tudo isso, agora temos a busca do transumano. Serão “imorríveis”, olha que beleza! E quando tudo der errado por suas próprias escolhas, ao menos vão precisar chamar por Teu nome e isso pode ser uma vantagem.
Mas tenho uma questão grave neste nosso projeto para questionar: qual o motivo do Senhor deixar aquele astronauta da Apollo 8, na véspera do meu aniversário de 1968, por um acidente, registrar a imagem da nossa morada planetária? Perdão a palavra, mas não acreditei quando vi aquela bola azul brilhante, que se fez verdade para aquela teoria da era antiga de Pitágoras, o Grego, que diz ser uma esfera onde habitávamos.
Uma vez ouvi de uma sábia senhora que a ignorância é uma dádiva. Pois é, assim somos apenas a Terra, linda, redonda e azulada, nada menor ou maior para dominar. Na verdade somos apenas, e Eu me incluo, já que estou aqui a falar para as pareces, trilhas humanas como formigueiros em busca de comida para sobreviver até a próxima estação – enquanto outras formigas morrem alagadas, na seca, esmagadas, neste mesmo universo criado por Ti.
Perdão a momentânea desesperança, mas preciso confessar que percebo que falhamos.
Mas ainda creio em Deus Pai, Todo Poderoso.
Com amor, seu filho.
Jesus

RJ, Novembro, 2016
Foto: Silvana Cardoso