Quando acordamos para a nossa história, percebemos que parte dela está no DNA que carregamos; daquela cintura fina e corpinho esbelto da mãe, mas também das tristezas e angústias que ela carregava no dia a dia; do humor ácido e maldosamente divertido do pai; da generosidade e acolhimento ao outro da avó; do amor pelos bichos do tio. E assim somos um pouco de todos que nos fazem parte. Com o tempo, vamos ficando mais parecidos com todos eles, mesmo que no fundo sejamos nós mesmos. Quantas vezes alguém fala que você é a cara da sua mãe e você diz com todas as letras: EU? Pois é, você se parece com a sua mãe, na aparência e, se deixar, nos piores defeitos, naqueles que você sempre suportou pelo simples motivo de não poder mandar a sua mãe pastar, catar batatas ou algo pior. Toda herança genética, aquela que o médico coloca na ficha quando você vai fazer um check up – a probabilidade do câncer, da insuficiência cardíaca, da diabetes, ou todas as outras-, não são tão temerosas quando a de ser uma pessoa triste, sem perspectiva, sem amor a vida. Tive um câncer em 2014 sem nenhum diagnóstico de câncer na família, convivo bravamente com a sua ausência mês a mês, mas a minha maior batalha foi encontrar beleza na vida, na luz do dia, algo que não havia em minha mãe. E como diz Miriam, minha grande-sábia-amiga “presta atenção, pois somos cópia de nossas mães”. E assim, fui buscar um caminho diferente para achar amor à vida, sem perder o meu DNA. Hoje, quando olho para o tempo, para o que vivi, as vezes triste, penso que o DNA fala mais alto, mas acredito que podemos dar um duplo carpado e mudar o caminho, a história. É um exercício, mas assim sigo. Hoje, após uns meses de perdas diversas, acordo animada para espremer minhas duas laranjas, que a tia deixa (com amor e cuidado) em cima da mesa, coloco meus mantras, músicas sacras ou algo parecido no meu som, pego minha misturinha de comida para pássaros, abro o portão e atravesso a rua. Olho em volta, envio beijos para o céu, na direção da tamarineira, do flamboyant, e entro na praça. Rolinhas, viuvinhas, canários, curiós e pombos (claro), começam a revoar, acompanham meus passos, se postam por perto a espera da iguaria que lhes dedico todos os dias pela manhã. Herança de vovó, que fazia migalhas do miolo de pão do café da manhã e, de dentro do avental, distribuía a saborosa comida aos pássaros no nosso quintal. Herança que passou para o tio-querido, que se foi em dezembro último. Herança que herdei com amor, com DNA do ser feliz, do acreditar que podemos ser pássaro – livres e cantantes. Passarim de mim para o meu DNA seguinte (Diego). E sigamos a cantar por aí.
Silvana Cardoso | 27 de fevereiro, 2016
Publicado em: http://euvejobeleza.com.br/historias-inspiradoras/heranca-de-mim/